Filme de Janela

As cidades grandes estão ficando cada vez mais verticais. Em alguns bairros já quase não vemos casas, e as poucas existentes vivem a pressão de ter vizinhos enormes e imponentes, cercando sua pequena estrutura frágil e familiar, fazendo sombra na alegria dos poucos habitantes daquela pequena morada de janelinhas e jardim simpático.
Moro em um desses bairros, verticalizados em prol da evolução. Meu prédio é antigo, tem apenas 4 andares, ar colonial, cara da século passado. Da sacada do meu quarto vi subir um condomínio inteiro, com 4 blocos, cada um com uns 15 andares, se não mais. E agora assisto todos os dias, ainda que sem querer, o filme da vida pela janela dos vizinhos. Vemos quem acorda cedo, quem chega tarde do trabalho, quem está vendo tv de madrugada, quem está tomando uma cerveja com os amigos, quem esta namorando na sacada.
Aquela velha conversa no portão, onde os vizinhos atualizavam as notícias do bairro se transformaram em exercício voyeur. Não paramos mais para conversar com a vizinha que conhece todo mundo. Passamos algumas horas na janela imaginando o que deverá estar se passando em cada uma daquelas janelas.
Assistimos ao filme da janela, torcemos pelos personagens. Se um casal está brigando você logo vê alguns vizinhos pendurados no peitoral, prestando muita atenção para não perder nenhum minuto, nenhuma cena.
E quando não estamos observando, estamos sendo observados. Da janela da agência onde trabalho vejo 3 ou 4 prédios todos muito próximos. Estamos sempre sendo observados por olhos curiosos, que devem fantasiar algumas diferentes funções para esse escritório de pessoas que não vêm trabalhar de terno e gravata.
Se você mora em casa e não sabe do que estou falando sinta-se felizardo. Hoje em dia a privacidade de uma casa térrea é privilégio para poucos.
Queria saber quando foi que disseram que morando em prédio sua vida é mais segura. Quem disse isso, estava olhando para um belo jardim, ou estava sendo observado por um menino curioso com a cara colada no vidro da janela?