terça-feira, setembro 23, 2008

A Rainha da São João

Mariana morava naquele prédio há 5 anos. A boa localização, bairro de Higienópolis, perto do centro, a conquistou desde o principio. Junto com o conforto e a praticidade do local, vieram também os excêntricos vizinhos.
Logo ficou amiga do senhor do andar de cima. Comandante Persival, militar aposentado, apaixonado por cinema. Não, apaixonado por filmes de terror, dos mais antigos. Com uma antiga máquina, fazia pequenas exibições em sua casa, daquelas relíquias trash em 16mm. Mariana não perdia uma sessão.
Durante os encontros, acabou conhecendo Jaiminho, filho do comandante. Muito calado, sempre ficava no canto da sala, observando aquela gente e o regojizo de seu pai em assistir àqueles filmes, pela milésima vez. Algumas noites, depois da sessão, alguém sentava ao piano e a música rolava madrugada adentro. Jaiminho cantarolava baixinho no seu lugar, balançava a cabeça e sempre ia embora sorrateiramente, no meio da bagunça.
Mariana, intrigada, não conseguia evitar as especulações. Algo de estranho acontecia com aquele menino. Franzinho, arrumadinho, típico filho de militar que esconde certas coisas para não decepcionar o pai durão. Sempre que se encontravam pelos corredores do prédio ou no elevador, Mariana atentava cada detalhe. Uma roupa diferente, o cabelo, o sorriso. Alguma coisa ele escondia. Ela podia ver aquele brilho nos olhos de quem vive algo intensamente.
Certo dia, saindo de um bar com os amigos, encontrou Jaiminho em pleno centro da cidade, com uma turma de meninos. Ela nunca teve dúvidas de que ele era gay. Mas isso era tão natural que não bastava como resposta. Ela queria saber. Fez que fez e convenceu seus amigos que dali iria com ele a pé, pois eram poucos quarteirões.
No caminho, ela puxou assunto. Onde estava, quem eram os amigos, o que estudava. Ele respondia com resmungos e palavras vagas. Chegaram, despediram-se e Mariana dormiu com a dúvida.
Na manhã seguinte havia um bilhete grudado na sua porta. Antes mesmo de abri-lo, Mariana sabia que ali haveria uma resposta. O bilhete dizia “Hoje, às 16h30, no Real Teatro São João. Quer saber quem sou? Apareça”.
Um misto de medo e curiosidade acometeram Mariana, que voou para o telefone. Não podia ir sozinha. Precisava de testemunhas.
No horário indicado ela chegou. O teatro cheirava decadência. Um antigo centro de cultura, transformado em templo pornô no centro de São Paulo. Entrou e sentou em uma cadeira vermelha, estofada, antiga. No bar pediu qualquer coisa forte, para ela e para a amiga.
As luzes se apagaram, os poucos frequentadores aplaudiram e balbuciaram qualquer coisa. Então, quatro negros fortes vestidos de escravos egípicos entraram no palco, carregando uma liteira e nela, deitada como rainha que era, estava Cleópatra. Com toda elegância, a rainha desceu de sua liteira e olhou diretamente para Mariana, que tentava conter o coração disparado. Reconheceria aquele olhos em qualquer lugar. Jaiminho era Cleópatra. Ele era a melhor Cleópatra de todos os tempos. Ela ria e aplaudia e assubiava e gritava “Linda”. O show foi perfeito. Mariana chegou a pensaque que até mesmo o Comandante teria orgulho se soubesse.
Na noite seguinte, durante a sessão de cinema, Mariana sentou-se ao lado de Jaiminho, no fundo da sala. Cochicharam e riram durante o filme todo, irritando o Comandante. E ela adorou. Agora Mariana fazia parte do misterioso mundo da Rainha da São João.

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