Da janela de sua sala, dona Violeta assistia o mundo. Em um sobrado germinado, com a parede do andar de baixo toda de pedra, a janela era moldura para uma rua movimentada no bairro de Pinheiros. Uma árvore antiga e frondosa fazia sombra pela manhã, enquanto ela observava os ônibus passando. Apoiada no batente, ela encaixava o rosto entre o buraco das grades.
Ela não gostava das grades. Mas seus filhos insistiram em colocá-las depois que o pai faleceu e a mais nova se casou. Vivendo sozinha com a empregada, ela precisava de segurança. Mas dona Violeta nunca sentiu insegurança naquela casa, olhando a vida acontecer em todas as suas cores, pela janela. A sua segurança vem da certeza da rotina que é a vida de todo mundo.
Tinha a moça que passeava com o cachorro branquinho bem cedo. O menino que descia do ônibus com a mochila colorida e a menina que passava dentro de outro ônibus, sempre olhando pra dentro da janela. Tinha o barulho das vozes animadas aos finais de semana, que vinham da padaria da esquina. As flores roxinhas que nasciam do Ipê, toda primavera e faziam aquele lindo tapete colorido. E o rapaz da loja da frente, que a cumprimentava quando abria e quando fechava o estabelecimento.
Pela janela da sala, dona Violeta ficava sabendo das novidades, conversava com os vizinhos e verificava a previsão do tempo. Apoiando o queixo em suas mãos enrugadinhas, ela acompanhava a evolução das coisas. As vezes, lembrava-se da época que não tinha tanto movimento. "O mundo muda muito rápido", ela costumava dizer para Maria, a empregada, "mas a rotina dos outros parece ser sempre a mesma".
Dona Violeta já viu namoro começar e muito casal brigar. Já viu mãe proteger filho da chuva, gente correndo atrás do ônibus, bêbado cambaleando ladeira abaixo.
Há uns quatro anos, Jorge, o filho mais velho lhe deu uma televisão nova, com controle remoto, imagem de cinema, som stereo. Desembrulhou, instalou e disse “Mamãe, agora a senhora pode assistir o mundo sentada no sofá. Ficar na janela tanto tempo é perigoso, a senhora não deve...”.
No dia seguinte, dona Violeta acordou, ligou a TV e sentou para assistir o noticiário. Roubos, assassinatos, políticos corruptos, acidentes, países se ameaçando. Com os olhos arregalados, dona Violeta segurou o controle remoto, desligou a TV e levantou-se calmamente. Passou por Maria, que perguntou “Uai, dona Violeta, desligou a tv por quê?”. Sorrindo, ela respondeu “Perigoso! Perigoso é ficar vendo o mundo que os outros querem que a gente veja.”
Caminhou até a janela, abriu os vidros e escutou a barulheira do trânsito as oito da manhã. Apoiou o queixo na mão e suspirou fundo, aquele ar meio cheio de fuligem. O mundo que ela queria assistir era aquele ali, onde a realidade era calma e as emoções simples e sinceras.
segunda-feira, abril 06, 2009
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