quarta-feira, novembro 26, 2008

Sobre o medo e a vontade de ter

As mãos suavam. O celular já estava meio molhado, mas ela não o largava. A cada dez segundos abria o flip, olhava para o número dele, fechava o flip. Repetiu o movimento por uns vinte minutos. Incrível a resistência desses aparelhos hoje em dia. Largou o celular em cima da mesa, foi à cozinha, bebeu um copo d’água lentamente.
A festa já havia começado há muito tempo, nessa altura ele já devia estar um pouco bêbado. Que mal haveria de ligar para saber se estava legal?
Colocou o copo na beirada da pia enquanto pensava em uma boa desculpa para cometer tal suicídio moral. Voltou para a sala, sentou no sofá com as pernas cruzadas e olhou para a estante de livros. A ponta do envelope com o convite da festa brilhou. Mesmo com a luz apagada ele brilhou. Estou mesmo ficando louca, ela pensou sorrindo ironicamente.
Mas, se a intenção era cometer uma loucura, por que economizar? Poderia parecer na festa. Ligar era amador perto de uma atitude assim. Descruzou as pernas, colocou um pé de cada vez no chão. Mordeu a ponta do dedo, piscou os olhos, tentava achar alguma sanidade em qualquer parte do corpo. Mas, nada. Não fui porque não quis, repetia em sua cabeça.
Pegou o celular e foi para frente do armário. As saias curtas, os vestidos sexy, as calças justas, todos riam da sua cara. Nenhum deles estava disposto a ajudá-la naquela noite.
Nas últimas semanas ela o desejou mais que qualquer torta de chocolate da Ofner. Mais que qualquer sandália de salto fino, mais que qualquer vestido de seda. Mas não tinha coragem nem mesmo de deixar transparecer um pouco. Maquiado de amizade desinteressada, o interesse dela só aumentava. Provou todas as roupas. Desistiu de sair. Sentada na beirada da cama de calcinha e sutiã, olhou mais uma vez para o celular. Olhou fixamente, o mais profundo que poderia, e sentiu algo subir pela garganta, subir, enquanto ela arrepiava e de repente explodiu num grito: “TOCA PORRAAAA!!!”. Em seguida, o silêncio. E então riu do ridículo daquela situação toda. Aquele medo de dizer o que sentia, misturado na vontade de se declarar, a adrenalina de saber que não era certo, tudo junto, tornava a situação digna de piada.
Deitou na cama e adormeceu com o celular na mão. O cd de jazz terminou meia hora depois. E na hora seguinte o celular vibrou, mas ela não ouviu. A mensagem, que só foi lida na manhã seguinte dizia “fez falta na festa.”

Um comentário:

Karen disse...

aaaaaaaahhh que fofooooo!!!
adorei!!!
bem que eu gostaria de ter um final assim tb... hhahahahahahahah